A Europa chutou o ajuste. E o Brasil?

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Europa chutou o ajuste. E o Brasil?


O Globo informa que o Banco Central Europeu vai comprar o equivalente a 60 milhões de euros mensais em títulos soberanos para estimular a economia e estancar a crise europeia. Essa quantia vale em torno de 175 milhões de reais. O objetivo do programa seria elevar a inflação para em torno de 2% ao ano - a zona do euro teve deflação de 0,2% em 2014, a primeira em cinco anos.

Mario Draghi, presidente do BCE, disse que "a previsão é que o programa siga até meados de setembro de 2016 e continuará até que vejamos um ajuste sustentado na trajetória da inflação". No economês, chama-se esse tipo de medida de afrouxmento monetário (quantitative easing, ou QE). O mais famoso plano de QE da história foi o do Federal Reserve americano iniciado no fim da década passada para obrigar o mesmo BCE a comprar ativos do mercado. A taxa de juros do BCE está em 0,05%, o menor nível histórico.

Angela Merkel muito provavelmente engoliu o QE do BCE com o prazer de quem tem de engolir um sapo. Na prátia, o BCE está mandando uma banana ao programa de ajuste fiscal por ela defendido como solução para a crise europeia. Como também já lhe mandaram uma banana o presidente americano Barack Obama e a presidente do Federal Reserve Janet Yellen.

As crises nos países centrais sempre foram grandes oportunidades para os países da periferia econômica, como o Brasil. Foi durante a agonia da crise de 2008 que o Brasil cresceu 7%. No entanto, é curioso que em um momento no qual a zona do euro ensaia o abandono dos programas de ajuste, o Brasil inicie os seus próprios ajustes.

"Davos é como as Sereias da Odisseia. Esperto foi Odisseu, que se amarrou às cordas e não se deixou seduzir", comentou Paulo Henrique Amorim em post que fala justamente do BCE. O ministro da Fazenda Joaquim Levy tem promovido ajustes fiscais da forma como faria um ministro de Angela Merkel. Pode-se dizer que os aumentos de impostos recentes, bem como as mudanças nas regras para tomar direitos trabalhistas, têm a assinatura do ministro. E isso parece ser só o começo.

A incerteza alimenta o terrorismo econômico da oposição - que de uma hora pra outra passou do 'aposentados vagabundos" para a defesa intransigente dos direitos sociais e trabalhistas. O terrorismo é ecoado no editorialismo econômico do "quanto pior, melhor".

O Brasil sofre o esgotamento do lulismo. Não que o país precise de uma guinada à direita, mas o lulismo promoveu o investimento público na economia e a valorização do mercado interno em níveis moderados. Nosso país ainda sofre com problemas de má distribuição dos impostos (por que não taxar as grandes fortunas, como sugeriu Thomas Piketty, em vez de aumentar os impostos da classe média?), especulação (financeira, imobiliária e do campo), falta de competitividade, juros altos, entre outras coisas. O governo, em vez de atacar esses problemas, faz questão de ignorá-los e reverter o programa progressista do governo Lula.

É bom não esquecer do que Paul Krugman, um nobel de economia nada esquerdista, escreveu em junho de 2011 sobre a Islândia;

"Enquanto os demais resgataram banqueiros e fizeram o povo pagar o preço, a Islândia deixou que os bancos quebrassem e expandiu sua rede de proteção social. Enquanto os demais ficaram obcecados em aplacar a ânsia dos investidores internacionais a Islândia impôs controles temporários aos movimentos de capitais para abrir um espaço de manobra".

A Islândia, que foi o primeiro país a ser afetado com a crise de 2008, conseguiu sair da crise e retomar o crescimento econômico em 2012. O desemprego chegou a baixar de 10% para 4,8%. A Islândia chegou a ser um país AAA segundo as sereias de Davos. Com a crise, sumiu do noticiário econômico. Sua recuperação não foi notícia e não teve o conhecimento de quase ninguém.

Mas o país não conseguiu sair da crise sem mobilização. Em 2009, o povo lutou para destituir o primeiro-ministro conservador e formar um novo Parlamento. Em 2010, o país vota não em um referendo sobre o acordo do pagamento da dívida, o que pressiona os credores a baixar os juros. No meio da crise, foi aprovada uma nova Constituição para o país.

No Brasil, o cenário é de total desmobilização pós Jornadas de Junho. Depois de fazermos história nas ruas, fomos às urnas eleger o pior Congresso desde 1964. Não custa lembrar que a presidente Dilma está submissa a ele em várias questões econômicas. As únicas manifestações ocorreram para exigir um impeachment que não tem a menor sustentação fora dos círculos reacionários. Além disso, o terrorismo está em alta e o governo está convencido de que precisa recuar na área econômica para entregar bons resultados de curto prazo e ganhar firmeza nos próximos quatro anos.

Diante desse cenário, as expectativas não são nada animadoras. A consciência de que o ajuste leva ao fracasso chegou na Europa, mas vai demorar até alcançar um Brasil que há 25 anos atrás consultava Roberto Marinho para definir o ministro da Fazenda.

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