E de repente, o país do surfe

sábado, 20 de dezembro de 2014

E de repente, o país do surfe



Gabriel Medina protagonizou um feito inédito: ele foi o primeiro brasileiro a vencer um mundial de surfe. Ficou em segundo na etapa de ontem, mas liderou o ranking geral. O próprio disse não acreditar ter vencido nomes como Kelly Slater e Mick Fanning. "Estou muito feliz de ter disputado o título contra Mick e Kelly. Eles me inspiraram desde criança. E hoje é o melhor dia da minha vida", declarou o mais novo ídolo do esporte nacional. Medina tem todos os méritos por sua brilhante vitória. Mas como não entendo nada de surfe, simplesmente não posso dizer o que fez dele um surfista campeão.

E é bom que se diga que soa quase uma heresia não entender de surfe nestes tempos de orgulho verde-amarelo ligado às ondas. Nas últimas semanas, pipocaram inúmeros neo entendidos no assunto nas redes sociais e o "vai Medina!" foi um grito de torcida ecoado com frequência quase futebolística nos últimos dias. Um estrangeiro que venha ao país neste momento deve imaginar que o surfe é um esporte tão popular quanto o futebol.

Medina é o nosso orgulho, o nosso símbolo de vitórias depois do sofrido 7x1 da fatídica semifinal contra a Alemanha. O Brasil festeja o sucesso em um esporte que passou a acompanhar há três semanas ou menos. É a nossa vitória! Medina é nossa redenção.

Redenção que já veio do MMA, com Anderson Silva, o Spider. Ou do vitorioso time brasileiro de vôlei, do iate de Torben Grael e Robert Scheidt, e principalmente de Ayrton Senna do Brasil, símbolo de uma vitoriosa geração da Fórmula 1 que deu lugar à "fracassada" geração de Rubens Barrichello. Nossas esperanças também renasceram com Guga, Daiane dos Santos, Popó,... Essa lista vai longe!

Tudo terminou do mesmo jeito: sem um ídolo capaz de trazer-nos vitórias, o esporte é sempre abandonado à sua própria sorte até que um outro Senna, Spider, Torben, Guga ou Daiane apareça para nos dar novas alegrias. Em cada ano bissexto sempre ouvimos nossa lista de "esperança de medalhas" para os Jogos Olímpicos. Essas esperanças dão seu melhor, ficam entre os melhores, ganham um bronze e saem como fracassados. É sempre a "derrota do Fulano", em contraste com a "vitória do Brasil". Como disse Rodrigo Borges, no Esporte Fino, "A derrota é do outro, a vitória é nossa".

Aqui neste blog, foi me atribuído erroneamente o questionamento que segue: "O brasileiro gosta mesmo de esporte?". Foi o mesmo Rodrigo Borges, no mesmo Esporte Fino, quem questionou nosso comportamento como torcedores esportivos. Diz ele que os "argentinos são apaixonados por esportes. Por vários. Futebol, tênis, basquete, automobilismo e rúgbi são algumas das paixões dos vizinhos. Paixões mesmo. Amam o Mundial de Rali sem que haja um argentino no WRC". Falta isso no Brasil? "Se Guga fosse o sujeito carismático e gente fina que é, mas nunca tivesse passado do 30º lugar do ranking, seria ele tão idolatrado? Tivesse perdido as três finais de Roland Garros que disputou, seria o ídolo que é ou seria sacaneado como eterno vice, seria motivo de chacota em programas humorísticos?"

Mauricio Cardoso, jornalista da "Placar" dos anos 80, é autor de uma frase que deixou a própria redação da revista perplexa: "brasileiro não gosta de esporte; brasileiro gosta de ganhar". O tempo mostrou que ele estava certo: o brasileiro só gosta de ganhar. Ou algum dos neo entendidos em surfe estaria acompanhando o Mundial se Medina estivesse, digamos, em 7º? Como diria o Paulinho Nogueira, do DCM, quem acredita nisso acredita em tudo.

Mesmo no tão querido futebol vigora essa lei da vantagem esportiva. A audiência do Corinthians na Globo, por exemplo, caiu bruscamente: era o time que mais dava audiência no país;  hoje é o quarto time mais visto de São Paulo. Em 2013, Fernando Sormani já observava que a frase de Maurício Cardoso explicava as baixas nos estádios: "De um modo geral, se o time está bem, o estádio lota; se está mal, fica às moscas". Alguém tem alguma dúvida disso?

Creio que isso se relaciona, de alguma forma, com nossa cultura "pra frente Brasil" que se impôs durante a ditadura e virou regra de nossas transmissões esportivas via Galvão Bueno e imitadores. Seja qual for o motivo, o fato é que nosso querido Gabriel Medina está hoje na posição em que muitos atletas já estiveram. Amanhã seu destino será o ostracismo em que seus antecessores estão, basta ganhar um bronze no próximo Mundial, talvez até uma prata. E enquanto os atletas de outros esportes reclamam da falta de incentivo e patrocínio, deixo-lhes com a amarga realidade de que isso não vai acontecer. Lei da oferta e da procura: se ninguém gosta de esporte, por que eu vou investir?

Parabenizo Medina por sua dedicação e seu sucesso ao bater grandes nomes do surfe mundial e se tornar o nº 1. E desejo a ele toda sorte do mundo quando os neo entendidos em surfe o abandonarem à própria sorte à espera do novo Senna. Pra frente Brasil!

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