A arrogância antes e depois do 7x1

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A arrogância antes e depois do 7x1


Béla Guttmann não apenas não conhecia a realidade do futebol brasileiro como nem sequer falava português. Comunicava-se com os jogadores do São Paulo do jeito que dava: "pá pá pá pum", dizia quando queria que os jogadores fizessem uma troca de passes e finalizassem. Os métodos do húngaro form vistos com desconfiança antes mesmo que ele iniciasse seu trabalho no Tricolor, que durou entre 1957 e 1958, quando saiu para dirigir o Porto e depois montar o grande esquadrão do Benfica dos anos 60.

Guttmann era um treinador ofensivo - sua principal inovação no São Paulo foi trazer o 4-2-4, adaptação do velho WM feita por outro húngaro, Marton Bukovi, treinador do MTK Hungria e inspirador do esquema da emblemática seleção húngara da Copa de 50, comandada por Gusztáv Sebes e liderada em campo pelo lendário Ferenc Puskás. O diferencial tático era o centroavante transformado em meio-campista - papel personificado por Nándor Heidegkuti na seleção húngara. Sebes classificava o 4-2-4 como "futebol socialista", embora o esquema não tenha nada a ver com política.

Vicente Feola, treinador do São Paulo antes de Guttmann, foi assistente do húngaro na conquista do Paulistão de 57, um dos títulos mais celebrados pelo clube até hoje. Feola foi chamado para dirigir a seleção brasileira na Copa de 58 e aplicou o 4-2-4 aprendido com Guttmann. Didi era o diferencial tático, assim como Heidegkuti na Hungria. Zagallo recompunha o meio campo dando liberdade para Nilton Santos descer pelo lado esquerdo. O time contou também com grandes atuações de Garrincha e Vavá, sem falar na presença de Pelé, então estreante com 17 anos. No 4-2-4 húngaro, o futebol brasileiro se reconheceu como tal e ganhou sua primeira Copa do Mundo.

O Brasil deveria ser grato às lições dos Mágicos Magiares, mas preferiu se fechar em uma arrogância nunca antes praticada por outro país, em especial após a vitória de 1970 ainda taticamente inspirada pela geração dos anos 50, mas envolta na propaganda ufanista da ditadura. Seguiriam-se cinco desastres até o tetra-campeonato em 1994 (o autor destas linhas tinha um ano). Mais um desastre e depois o penta, primeira Copa do Mundo que assisti inteira. O desastre veio depois.

Após duas eliminações em quartas de final (2006 contra a França e 2010 contra a Holanda, ambas vice-campeãs), o Brasil jogou em casa com a mesma propaganda ufanista da Copa de 70, desta vez estimulada pela mídia. O resultado é conhecido e completa um ano hoje.

A revelação de Daniel Alves de que Pep Guardiola queria treinar a seleção brasileira na Copa de 2014, mas a CBF recusou, é um sinal de que a arrogância do futebol brasileiro beira o ridículo de achar que nenhum técnico estrangeiro tenha algo a acrescentar à seleção que "sozinha" foi penta-campeã do mundo. Anrés Sanchez, que na época da saída de Mano Menezes era o diretor de seleções da CBF, chegou a esnobar Guardiola: "Posso até ser voto vencido, mas no Brasil nós temos grandes treinadores. É ridículo precisar de um nome estrangeiro, seja quem for".

Quem sabe Guardiola não pudesse ter o impacto de Béla Guttmann? Ou então do argentino Felipo Núñez, um dos mentores da primeira Academia do Palmeiras? (Núñez assumiu a seleção brasileira por um jogo, quando o Palmeiras vestiu a camisa amarela e venceu o Uruguai por 3x0 no dia 7 de setembro de 1965) Parecia que o técnico estrangeiro seria uma negação à própria pátria de chuteiras. A realidade, porém, é que o Brasil nada seria sem eles, húngaros, argentinos, paraguaios.

A arrogância é característica plantada no torcedor brasileiro de tal forma que a impressão que fica é de que o Brasil entra naturalmente superior e só perde quando assim deseja o destino - o "frango" de Barbosa em 50, a "roubalheira" no jogo contra a Itália em 82, a convulsão de Ronaldo em 98, Roberto Carlos arrumando a meia em 2006.

Em 2014 o Brasil entrou em campo sem filosofia alguma de jogo, mas não deixou de posar como um exército de guerreiros em nome do povo brasileiro. Fosse uma guerra de ocupação de territórios, seríamos todos alemães. Ainda assim, a seleção liderada por um ultrapassado Felipão sai dizendo que o problema foi um "apagão". Felipão sai para a entrada de Dunga, cuja primeira passagem foi marcada por números impressionantes que não dizem a verdade sobre o trabalho da seleção no período.

Um ano se passou e a seleção parece ter piorado. Após uma série artificial de vitórias em amistosos, a seleção fez uma Copa América sofrível em que ganhou do Peru jogando feio, perdeu bizonhamente para a Colômbia - com direito a expulsão de Neymar -, ganhou da Venezuela com medo de ir pro ataque (e ainda tomou gol) e saiu fora nas quartas num jogo feio contra o Paraguai. Na Copa de 2014, ainda houve um jogo convincente - o Brasil x Camarões. Na Copa América nada. A desculpa da vez? Virose. Pausa para rir.

A torcida já sabe que o Brasil está bem abaixo. Fora da CBF, já se considera a possibilidade de que o Brasil não se classifique para a Copa de 2018 - o que seria um fato inédito no país que disputou todas as Copas. As Olimpíadas de 2016 serão uma grande agonia. Mas a CBF insiste em não reconhecer a defasagem do futebol brasileiro em relação aos demais. O comitê formado por ex-jogadores e treinadores da seleção mostra que a CBF segue fechada para a possibilidade de se aprender com o que está dando certo. Prefere achar que somos autossuficientes em futebol. Não somos.

A CBF é uma entidade moribunda que tem a esperança de que um dia a pátria de chuteiras voltará e a torcida terá sua redenção pelos fiascos recentes. Essa forma peculiar de sebastianismo é compartilhada por boa parte da torcida e motivou as escolhas de Felipão e Dunga para o comando da seleção. Deu errado, dá errado e dará errado.

Será que a seleção pagará pela arrogância de sempre ficando fora de uma Copa do Mundo pela primeira vez? O 7x1 foi apenas o começo de uma sequência interminável de humilhações? Há alguma esperança para o torcedor que insiste em ver os jogos do Brasil com desejo de que o time jogue bem e vença? A CBF não está interessada em discutir o futebol brasileiro e não responderá estas perguntas. Em vez disso, seguirá motivando o ufanismo ridículo dos tempos da ditadura. A esperança é a de que Dunga aprenda, evolua, consiga dar uma mínima filosofia de jogo para uma seleção moribunda. Isso não está nem perto de acontecer, visto que Dunga nem vê os jogos dos atletas que ele convoca nos clubes.

Outra esperança seria uma nova geração de inspiradores, como os húngaros no passado. No dia em que o 7x1 completa um ano seria um necessário exercício de humildade reconhecer que o Brasil precisa de gente de fora pro futebol. Mas enquanto a arrogância for um problema do futebol brasileiro seguiremos ouvindo que os estrangeiros precisam conhecer o Brasil, que os técnicos brasileiros dão mais certo e outras babaquices. Até o dia em que o Brasil se tornar uma Venezuela. E a CBF acabar.

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